

“Acho que a diferença entre um ‘álbum de produtor’ e um ‘álbum de cantor-compositor’, no sentido mais tradicional, é que a intenção é realmente fazer o público sentir algo”, conta SG Lewis ao Apple Music. Em seu arrebatador terceiro álbum de estúdio, o DJ e produtor convida o público a compartilhar uma emoção que o acompanha desde que começou a ouvir e criar música, embora só recentemente tenha descoberto que havia uma palavra para isto, depois de passar um verão mergulhado na história de Ibiza. O termo que Lewis procurava acabou virando título do álbum: Anemoia. Inspirado na ideia de Ibiza como “a terra prometida das baladas, onde não existe vergonha nem grilhões sociais”, ele transformou o conceito em uma recriação onírica, quase um sonho dentro de outro, da vida noturna da ilha nos anos 90. “Estava juntando estes sons nostálgicos, muito familiares e quase clássicos, com compositores, vozes e histórias modernas, e ao mesmo tempo buscando uma linha de produção que unisse tudo e soasse como a minha interpretação de anemoia”, explica. Embora Anemoia evoque nostalgia, faixas como a melancólica e envolvente “Feelings Gone” ou o hino das raves “Devotion” também soam incrivelmente atuais. Foi algo que Lewis fez questão de preservar à medida que o disco ganhava forma. “Se a dance music tem um objetivo mais nobre, é servir como escapismo”, afirma. “Quero que este álbum desperte o sentimento de anemoia em quem talvez não tenha vivido, ou ainda não tivesse idade para viver, as noitadas nas boates e baladas. O som do álbum e tudo o que eu trouxe para ele carregam este espírito escapista, porque hoje existem muitos motivos para sentir medo e incerteza em relação ao futuro. Estou tentando criar um mundo sonoro no qual as pessoas possam se refugiar, uma trilha que acompanhe este sentimento de fuga da realidade e ajude a aliviar as dificuldades do presente. Esta é a missão.” “Memory” “Eu sabia que a palavra anemoia não era familiar. Eu mesmo não sabia o que significava até procurar no Google. Também percebi que ninguém sabia pronunciar o termo. Por isto, quis criar uma faixa que funcionasse como uma introdução sonora ao universo do álbum, mas que também trouxesse elementos capazes de apresentar o conceito de anemoia, pois não é algo autoexplicativo. O propósito de ‘Memory’ é justamente transmitir ao ouvinte as sensações que o disco desperta: a euforia, este misto de coisa boa com melancolia, os acordes, o clima e o conceito principal.” “Feelings Gone” (com o trio London Grammar) “Durante anos eu guardei este instrumental que tinha começado em Los Angeles com meu amigo J Moon. Era algo que eu já tocava nos meus sets e que tinha um tom meio melancólico, mas também uma construção marcada e uma bateria com um leve toque de balearic beat. Foi a primeira faixa em que pensei: ‘Este é o som do álbum...’ Mas a única voz que eu conseguia imaginar nela era a de Hannah [Hannah Reid, do London Grammar]. Há uma profundidade na voz dela e na forma como compõe que dá uma carga emocional única à música. Às vezes a dance music, especialmente a pop, pode soar descartável, mas senti que Hannah e a banda dariam à faixa a densidade necessária. Em vez de fazer referência direta ao que acontecia na Ibiza dos anos 90, ‘Feelings Gone’ é uma projeção pessoal minha. Se eu estivesse olhando aquelas fotos, qual seria a trilha sonora para elas na minha cabeça?” “Sugar” (com Shygirl) “Shygirl e eu começamos esta faixa no mesmo dia em que trabalhamos em ‘mr useless’, música que fizemos para o projeto dela [o EP Club Shy, de 2024]. Tínhamos esta outra demo guardada, e quando Shygirl veio ao estúdio acertamos a estrutura da faixa e os detalhes. Depois, o TEED [Totally Enormous Extinct Dinosaurs] acrescentou uma linha de sintetizador. A ideia com ‘Sugar’ era trazer a sensação daquelas faixas de dance pop dos anos 2000 no estilo Hedkandi ou do trance dos anos 90: uma explosão de serotonina e alegria, em que cada decisão soasse radiante e totalmente pop.” “Transition” (com RAHH) “Eu passei em Ibiza o verão que acabou dando origem a este álbum, onde toquei várias vezes na Pacha. É a boate mais antiga da ilha, cheia de história e com um som característico: bateria supercomprimida dos anos 2000, linhas de baixo funkeadas, French Touch. Quis criar uma faixa que fosse uma homenagem a isto. Já tinha ouvido a RAHH em alguns discos, então nos juntamos. Ela é uma compositora incrível, que consegue entregar vocais com a força e a alma de um clássico do house, mas sem soar como imitação. Grande parte do álbum segue por este lado mais melancólico, que eu adoro, mas quando parei para ouvir tudo senti que precisava de uma faixa que fosse o contrário disto. ‘Transition’ é um chamado às pistas, o tipo de música que eu coloco para incendiar a noite.” “Devotion” (com Totally Enormous Extinct Dinosaurs) “TEED é um dos meus melhores amigos no mundo, mas continua sendo um herói musical para mim. É alguém de quem recebo bastante ajuda e conselhos, então parecia natural tê-lo como colaborador neste álbum. Esta foi uma faixa instrumental que começamos juntos. Tentamos várias ideias e vocais diferentes até que falei: ‘Por que você não canta nela?’ O resultado é muito arrebatador, no melhor estilo do piano house dos anos 90. Quando penso no acid house e na cena rave britânica, lembro imediatamente daquelas faixas de piano típicas daquela época. Não importa onde você esteja ou quanto tempo tem de estrada: quando chega o breakdown do piano, o impacto da batida entrando cria um momento de euforia total, como se as luzes se acendessem.” “Past Life” “A faixa é um respiro neste álbum que, de modo geral, é muito dançante. Em qualquer disco ou formato estendido assim, acredito que uma mudança de andamento dá um alívio. Então escrevi este refrão que induz a um estado quase onírico. A ideia é que tudo seja narrado da perspectiva de alguém sonhando com o passado e com o que poderia ter sido. É um momento de reflexão e também uma pausa sonora no ritmo e na euforia que dominam o restante do álbum.” “Back of My Mind” “Uso a minha voz de uma forma muito mais direta e em primeiro plano do que fazia antes, com menos reverb e efeitos. Acho que a música conta uma história e é cheia de emoção. As minhas faixas de pista favoritas sempre têm este elemento. Seja Robyn em ‘Dancing on My Own’ ou Kings of Tomorrow em ‘Finally’, estas músicas foram feitas para a balada, ambientes hedonistas e efêmeros. Porém, elas têm profundidade e narrativa, o que dá a estas canções vida longa e relevância. A ideia inicial era menos dançante, inspirada no Radiohead. O verso era mais errante, no estilo Thom Yorke, com aquela mistura de intensidade e desapego estiloso, até que a euforia foi adicionada e a faixa ganhou corpo. Agora que estou tocando ao vivo, consigo ver as pessoas se conectando com a letra. Eu nunca tinha ouvido a expressão 'Back of My Mind' (algo que não sai da cabeça, em tradução livre) em uma faixa de dance, mas o sentimento é muito universal.” “Another Place” (com Frances) “A Frances é uma parceira de longa data, estudamos juntos na universidade. Hoje ela atua principalmente como compositora, e fizemos algumas músicas ótimas para este álbum. Mas como ela é extremamente talentosa e tem uma voz incrível, pedi que também participasse desta faixa. A ideia era criar aquela música de breakbeat de fim de noite, quatro da manhã, para empolgar o público naquele momento em que a energia começa a baixar. Aqui usei o famoso break de ‘Think’ [a batida de bateria com o ‘Woo! Yeah!’ tirada de ‘Think (About It)’, de Lyn Collins], que já foi sampleado inúmeras vezes. A intenção era despertar o sentimento de anemoia em quem talvez não saiba o nome dos breaks, mas quando ouve reconhece na hora e pensa: ‘De onde eu conheço isto?’ E como o break de ‘Think’ é tão icônico, sinônimo de rave e dance music, acaba tendo exatamente este efeito sobre muita gente. “Fallen Apart” “Escrevi a versão original há seis anos, rapidamente, depois que alguém com quem eu trabalhava me magoou profundamente. Foi como um lembrete que escrevi para mim mesmo: ‘Não vou esquecer disto.’ A música ficou guardada no meu HD por muito tempo, sem nunca encontrar o lugar dela. Mostrei a faixa para o TEED e passamos um dia trabalhando nela, dando corpo à faixa até se transformar no que é hoje. É curioso porque soa como uma música de término romântico, e acho que acabei mudando algumas letras para que fossem percebidas assim. Mas esta nasceu de uma amizade que acabou.” “Baby Blue” (com Oliver Sim) “Conheci o Oliver em Los Angeles, quando estava trabalhando neste álbum. Fizemos duas sessões: uma para o meu disco e outra para o dele. Nenhuma das músicas parecia pronta para ser lançada, mas a gente se deu bem de cara. Eu tinha um instrumental que produzi com meu amigo Karma Kid, e passamos um dia tentando criar aqueles instrumentais de disco edit de fim de noite. Encontrei este sample, Wess Machine, ‘Hard Luck’, cuja introdução tinha um loop de dois compassos. Regravei, adicionei elementos e trabalhei para que tivesse uma pegada mais atual para as pistas. Enviei para o Oliver, que estava fora, mas respondeu: ‘Me dá cinco minutos…’ Pouco depois, ele me manda uma mensagem de voz com o refrão pronto. Ele disse: ‘Acabei de ir ao banheiro e escrevi isto.’ Fiquei de boca aberta. Depois ele apareceu no meu jardim, gravamos e escrevi um verso rápido. A faixa estava pronta. A voz dele é muito envolvente, rica e bonita. O Oliver é uma pessoa realmente especial.”